Cinco meses e meio em teletrabalho com 2 filhos de 3 anos

Notícia oficial da pandemia – COVID 19/2020

Quando a OMS declarou pandemia mundial de COVID 19 a onze de Março, a minha preocupação e receio aumentaram, e o meu pensamento foi direcionado de imediato para os meus filhos.

Comecei a pensar em soluções para reduzir a sua exposição ao risco de contágio e a mais evidente era tirá-los da creche por tempo indeterminado. E apesar de se constar que o risco para as crianças era menor, existia, preocupando-me particularmente um dos meus filhos pelo histórico de bronquiolites repetidas.

Dada a evolução desfavorável deste problema de saúde pública, previa-se e já se especulava, o encerramento de creches e outros setores de atividade, bem como instituições da função pública. 

Ainda aguardei pelo final da semana para tomar uma decisão em relação aos meus filhos, mas como comecei a ouvir um zunzum de casos a surgir relacionados com a instituição onde trabalho, não consegui ficar descansada e pedi aos meus pais, no dia treze de março, sexta-feira, para irem buscá-los mais cedo do que o habitual ao infantário. Importante realçar que o infantário dos meus filhos está situado no campus universitário da instituição de ensino onde trabalho, sendo que a maioria das famílias que o frequenta tem relação direta com esta.

Nesse mesmo dia, os funcionários que trabalham na função pública foram instados a ficar em casa em regime de teletrabalho. Portanto, fiquei em casa a partir de dezasseis de março.

Recebi, entretanto, a comunicação que o infantário dos meus filhos também iria encerrar a 16 de março.

O aumento de casos de COVID 19, as medidas de segurança apertadas, o confinamento, … tudo aconteceu a um ritmo acelerado, sendo proporcional ao receio que todos íamos sentindo. Era um desconhecido mau e invisível!

[De forma muito sucinta, a ordem cronológica das fases do COVID 19:
A dezoito de março foi decretado, pelo Presidente da República, estado de emergência em Portugal. O estado de emergência contemplou o confinamento obrigatório e restrições à circulação na via pública, salvo as exceções anunciadas. A três de maio começou a situação de calamidade, com aplicação faseada das medidas de desconfinamento. A um de junho reabriram novos serviços e atividades no âmbito das medidas graduais de desconfinamento e deu-se a retoma da economia. Foi a terceira fase de desconfinamento posta em prática.]

Vou para casa em teletrabalho com dois filhos de 3 anos, e agora?

Quando tive conhecimento que íamos para casa, na realidade não tive tempo para refletir sobre os tempos difíceis que se avizinhavam (com certeza não aconteceu só comigo).

O teletrabalho era uma novidade para mim, mas tinha noção que não seria fácil conciliar com os filhos, a casa, entre outras tarefas. Seria muito exigente física e psicologicamente, em especial quando se tem filhos pequenos, mas representava uma probabilidade maior de estarmos seguros e livres de um perigo que não se via.

Enquanto mãe em teletrabalho, tentei fazer o possível e dar o meu máximo para que tudo corresse pelo melhor, mas tenho noção que falhei em vários momentos, porque não nos é humanamente possível estar em todas as frentes, todos minutos, e sermos ótimas profissionais, ótimas mães, ótimas educadoras, ótimas esposas, ótimas donas de casa…Tudo isto no mesmo dia, ao mesmo tempo, com a mesma exigência e durante largos meses. É impossível!

Os momentos mais difíceis, de cansaço, emoções e nervos à flor da pele, sei hoje que foram resultado de eu ter dado o melhor de mim. Na altura não conseguia afastar o sentimento de culpa sobre determinadas situações e fazia sentir-me muito mal.

Até ao final de março foi um período estranho de adaptação à nova rotina. No entanto, senti quase de imediato a felicidade dos meus filhos, não só pelo facto de estarem mais tempo com a mamã, mas também por deixarem de sentir a pressão e o stress do dia-a-dia, que nós pais, inevitavelmente, lhes passamos. Senti uma mudança de comportamento muito positiva, mais calmos, mais alegres, dormiam melhor, … apesar do motivo que nos levou para casa.

Eles não tinham noção da dimensão do problema que estaríamos a viver (e ainda hoje não têm). Perceberam que houve uma mudança grande e brusca nas suas rotinas, mas o que lhes importava é que estavam no conforto de sua casa, sem horários e regras rígidas, e tinham mais tempo com a mamã. O papá continuava a trabalhar nesta fase.

Achei importante colocá-los a par do que se passava, mas tentei transmitir-lhes de forma “suave”, sem os assustar. A explicação que lhes dei é que haviam “bichinhos lá fora” e que tínhamos que estar em casa mais tempo do que o habitual para nos protegermos, no entanto, podíamos fazer uns passeios com os devidos cuidados. Teríamos que ter cuidados redobrados com a higiene. 

Os cuidados de higiene não eram novidade para os meus filhos, pois eu sempre tive a preocupação de lhes transmitir as boas práticas nesse sentido, no entanto, reforcei a importância nesta fase e alertei-os para certas regras de segurança quando nos encontrássemos fora de casa. Expliquei ainda que os parques infantis, a casa dos avós (a parte que mais lhes custou), o infantário e outros locais que gostavam de frequentar também tinha bichinhos. Mas para não os desanimar acrescentei que haviam pessoas com a tarefa de limpar esses bichinhos e qualquer dia podíamos regressar a esses locais. 

Hoje digo-lhes que apesar de ainda haverem bichos na rua e em certos locais, há menos, e daí termos voltado à escolinha, à casa dos avós e a outros locais. Os cuidados de segurança e higiene mantêm-se e hoje já os incluem naturalmente no seu dia-a-dia.

Em abril o meu marido também veio para casa e esteve até final de maio. Nesse período consegui respirar um bocado, pois o apoio dele foi fundamental, apesar de se ter mantido a dificuldade em conciliar a vida familiar com o teletrabalho. 

Naturalmente foram instaladas novas e diferentes rotinas. Houve uma tentativa de dividir horários de trabalho efetivo entre pai e mãe (o meu marido também trouxe trabalho para casa), com o desejo de fazer atividades com os miúdos e prestar-lhes os devidos cuidados, cozinhar, ter a casa limpa e arrumada, responder aos pedidos urgentes de trabalho e tentar mantê-lo em dia o máximo que podia (implicava muitas vezes trabalhar pela noite dentro), entre tantas outras tarefas e tudo num só dia.

Lógico que houve momentos agonizantes e que correram mal, mas apesar disso, considero que fomos bem sucedidos porque conseguimos dar resposta às prioridades, os objetivos mais importantes foram cumpridos, e ainda conquistámos momentos muito felizes em família. ❤

Ter a reunião zoom de trabalho a falar baixinho para os miúdos não acordarem ou trancada numa divisão e do outro lado da porta os miúdos a bater e gritar por mim (estavam com o pai, mas como sabiam que eu ali estava…), um arroz que ficou mais cozido ou a massa que agarrou ao fundo do tacho, momentos em que se esgotou a imaginação para brincarmos e fazermos atividades diferentes com os nossos filhos, sem energia para, quando eles se deitam, acabar tudo o que ficou por acabar. Tenho consciência das minhas falhas na falta de paciência, forças e energia para dar a atenção merecida aos meus filhos e marido em vários momentos, mas o importante é acreditar e ter a consciência que dei tudo o que era possível e estava ao meu alcance dadas as circunstâncias.

O teletrabalho foi vivido com uma intensidade que nunca o trabalho foi, deixa de haver fronteira entre o campo pessoal e profissional, deixa de haver hora, estando sempre presente no email, no whatsapp, telefone, nas reuniões online, isto a qualquer hora. E a urgência nunca foi tão premente, o planeamento é ultrapassado pelas contingências de um contexto, que muda a cada cinco minutos. E todos estávamos a tentar fazer o melhor.

Mesmo quando à intensidade profissional se somou o desgaste da energética vida familiar, no silêncio da madrugada após terminar aquele trabalho que era necessário terminar e antes de fechar os olhos, refletia sobre as coisas em que tinha estado menos bem e ao outro dia tentava compensá-las e fazê-las melhor. 

Após fase de confinamento, a minha entidade patronal permitiu-me continuar em teletrabalho, o que me fez sentir mais segura e me deixou mais tranquila. Não só por ter filhos de tenra idade, mas por ter plena consciência que as medidas de prevenção de contágio não combinam com o espírito irrequieto e explorador das crianças.

O meu marido regressou ao trabalho em junho e desde aí até setembro voltei a ficar sozinha com os meus filhos.

Sabor Agridoce (momentos difíceis vs momentos felizes)

Foram cinco meses e meio em casa, dos quais três meses e meio estive sozinha com os meus filhos. A fase em que estive sozinha foi uma loucura e teve um sabor agridoce. Experimentei momentos muito difíceis e de cansaço extremo, mas outros muito felizes também.

Apesar da difícil gestão do tempo, consegui tempo de qualidade com a minha família que hoje, voltando à “normalidade” do meu dia-a-dia, não consigo ter pois andamos sempre a correr. Andamos sempre pressionados pelo tempo (ou a falta dele). Vamos a correr levar os filhos ao infantário e para o trabalho. Voltamos a correr ao infantário para ir buscá-los e vamos a correr para casa. Fazemos o jantar a correr para deitar os miúdos a correr pois ao outro dia têm que levantar cedo. Vamos às compras a correr, é tudo feito a correr. E é esta a nossa rotina diária, uma triste correria, uma triste realidade! 

Dos momentos felizes que conquistei nesta fase em que estivemos em casa, posso salientar o facto de ter conseguido brincar e passear mais com os meus filhos, alguns momentos de lazer com o meu marido, algo raríssimo desde que os meus filhos nasceram, e outros simples, mas valiosos. Ou seja, consegui desfrutar e mimar mais a minha família, estar mais presente e dar-lhes a atenção que merecem. ❤

Os meus amores num dos nossos passeios higiénicos.

No fundo, sinto-me uma privilegiada por ter conseguido afastar os meus filhos o mais que pude deste risco de contágio, e do tempo, apesar da dificuldade de gestão e o que isso exigiu de mim, que consegui ganhar e dedicar-lhes.

Sabia que numa dada altura, porque infelizmente esta triste realidade não seria de curta duração e teríamos que retomar a nossa vida “normal”, acabariam por ficar mais expostos. Mas enquanto eu pudesse protegê-los e criar condições para isso, não hesitaria um segundo.

Essencialmente na fase em que estive sozinha com os meus filhos, muitos momentos de desespero senti, algumas lágrimas derramadas, muito cansaço físico e psicológico, mas na maioria dos dias, enchia-me de satisfação e orgulho, por apesar de tudo, ter conseguido cumprir com os meus objetivos de trabalho, ter prestado os cuidados essenciais aos meus filhos e ainda ter conseguido “inventar” tempo para lhes proporcionar momentos muito alegres, fazendo um esforço para conseguir que não caíssem numa monótona e aborrecida rotina. Ter conseguido manter a casa minimamente em ordem com todas as tarefas inerentes e ainda um sorriso e miminho a dar ao marido quando ele chegava a casa. É verdade que não consegui fazê-lo sempre, mas consegui!

Quando me faltava o ar pela ansiedade, tristeza, receio, incerteza, cansaço… respirava fundo e pensava que tudo valia a pena pois o mais importante era manter-nos em segurança e estávamos no sítio mais seguro onde podíamos estar, em casa. ❤