
Antes de partilhar convosco a experiência da minha gravidez gemelar, acho importante dar relevo a dois assuntos que darão lugar a este artigo e ao próximo. Um abordará um tema muito delicado e sensível a muitas Mulheres/casais, assim como para mim: dificuldade em engravidar e os impactos psicossociais, o outro, mais informativo, e que a meu ver servirá de apoio a quem está a pensar recorrer à opinião médica ou prestes a iniciar tratamentos de fertilidade, desenvolverá os temas: causas da infertilidade, tipos de tratamento, e redes de contacto de centros de reprodução em Portugal.
Dificuldade em engravidar:
condição psicológica e emocional do casal e o impacto na relação, na família e na sociedade
Quando comecei a tentar engravidar sem ajuda médica, as primeiras tentativas, apesar da desilusão, foram pacíficas a nível emocional porque tinha sempre esperança que acontecesse no mês seguinte e também tinha noção que podia ser um processo lento por diversos fatores.
Passados meses, anos, começaram a surgir sentimentos como a ansiedade, o stress, a sensação de impotência, de vazio, a tristeza, a dúvida. Não perdia a esperança, mas confesso que por vezes era abalada!
A partir de determinada altura, comecei a ficar frustrada cada vez que a minha menstruação aparecia, e apesar de ficar feliz pelas mamãs e papás, quando me cruzava com uma família com bebés, sentia-me triste porque queria muito vivenciar a mesma experiência. Estes e outros indícios, mostravam que a situação já estaria a afetar-me psicologicamente.
[A infertilidade, para a Medicina, é a dificuldade de engravidar após doze meses de tentativas, sem uso de nenhum método contracetivo. No entanto, para nós Mulheres/casais que vivem esse problema, a infertilidade vai muito além deste conceito. ]
Inevitavelmente, o processo de tentar engravidar, afeta os elementos do casal de forma singular, mas também a relação entre os dois, tendo um impacto mais ou menos negativo.
A intimidade do casal, ao fim de um tempo razoável de tentativas sem sucesso, começa a ser vista como “mais uma tentativa” para engravidar, originando mais ansiedade, o que promove o efeito contrário ao desejado. Os momentos que até aqui eram vistos como agradáveis, de prazer para ambos, começam a ser vistos com um “meio para atingir um fim” (alguns erros que se cometem, mas difíceis de evitar). Começam a existir horários estipulados, também este um fator incompatível com a espontaneidade, a naturalidade, a sensualidade e a magia do momento, o que vai prejudicando o relacionamento. Lembro-me perfeitamente de que, nessa fase, a maioria das vezes que tínhamos esses momentos juntos, vinha a “sombra” da cobrança: “Será que desta vez conseguimos?” É muito difícil relaxar e apenas curtir o momento nestas condições.
Por mais que tenhamos uma relação aberta e saudável com o nosso companheiro, começa a ser complicado gerir a situação e os sentimentos inerentes. Discutir o assunto também se torna difícil e por vezes até o evitamos porque gera tristeza e algum constrangimento. É uma fase da relação muito complicada, pois temos dificuldade em desviar a atenção do nosso objetivo.
Começam também a surgir as inevitáveis questões entre ambos, ainda que algumas possam não ser verbalizadas: “O que estará errado? Teremos algum problema? Quem será o responsável pelo insucesso das tentativas de engravidar?”
O casal começa a ficar fragilizado, com sentimentos que variam entre impotência, revolta, tristeza e frustração. Como experimentei isso na 1ª pessoa, o meu conselho aos casais que estão a viver este processo e conflito interior é, se não estiverem a conseguir gerir as emoções de forma saudável e começar a prejudicar a relação, não hesitem em procurar apoio psicológico para vos dar suporte, uma vez que o casal precisa estar unido mais do que nunca nesta difícil batalha. Eu e o meu marido procurámos, mas estou certa de que se o tivéssemos feito, teríamos seguido este percurso com mais leveza.
Muitos casais que mantêm um casamento/relacionamento sólido e estruturado, podem apresentar crises sérias no relacionamento após ou durante este período, daí a importância do apoio psicológico. Posso dizer que apesar de todos estes sentimentos vivenciados, e ter havido fases muito difíceis, de grande tristeza, frustração e até vontade de desistir, eu e o meu marido, sempre estivemos unidos e apoiámo-nos, de outra forma, acho que seria impossível continuar, e estaríamos só no início deste longo e doloroso caminho.
A infertilidade, embora seja tratada na sua maioria pela abordagem física, com exames e tratamentos de reprodução tecnicamente assistida, o estado psicológico do casal tem um papel fundamental no sucesso dos tratamentos. Daí ser muito importante o apoio entre o casal, e se possível, da família e os mais próximos, desde que, consigam lidar com a situação com naturalidade, dando alento, incentivo, e não o contrário.
Quando eu e o meu marido optámos por ser submetidos a tratamentos, iniciou-se outra fase bastante delicada para ambos, mais uma provação. Esta fase significaria mais tensão, expectativas, exames desagradáveis, procedimentos invasivos (e alguns que também nos impunham “hora marcada para ter relações”).
Entre as tentativas falhadas, antes e após o início dos tratamentos, desde o impacto que estaria a ter na nossa relação enquanto casal, a toda a exigência emocional e física que este processo acarretava, começou a traduzir-se num grande desgaste físico e psicológico. E como já comentei, todos temos os nossos limites físicos e psicológicos, não são comparáveis, sendo muito importante que os consigamos reconhecer porque caso contrário, pode trazer-nos efeitos indesejados. Quando não somos capazes de fazê-lo sozinhos, devemos recorrer a apoio de um profissional competente. Relembro que na minha última transferência de embriões, e felizmente, bem sucedida, caso não tivesse conseguido engravidar, tinha perfeita noção que estaria a atingir o meu limite físico e emocional, e estaria na “hora” de fazer uma pausa! É importante saber parar e quando parar, ainda que de forma temporária, para nos recompormos física e psicologicamente.
Por tudo o que relatei acima, da minha experiência e até de alguns erros que hoje reconheço que cometi neste processo, tomo a liberdade de dar algumas dicas aos casais que estão a tentar engravidar e que podem fazer a diferença:
- Não pensar no objetivo de engravidar, como o único a alcançar nas vossas vidas.
- Planear/criar projetos novos para desviar as vossas atenções do foco engravidar, que impliquem o vosso envolvimento/dedicação. Pode ser um projeto pessoal ou profissional, algo que vos motive e vos faça sentirem-se realizados, seja mudar de casa, criar um negócio, fazer voluntariado ou outro. A busca por uma expansão de interesses trará um sentimento de auto-valorização.
- Acreditar que vão concretizar o vosso sonho e que é apenas uma questão de tempo/pensamento positivo.
- Fazer exercício físico/manter hábitos saudáveis, mas se por vezes tiverem vontade de prevaricar, desde que vos traga prazer, não vejo problema algum. Aliás, eu costumo frequentemente dizer que o que nos dá prazer, dá-nos felicidade e por consequência, dá-nos saúde.
- Falar com outros casais em iguais circunstâncias, trocarem ideias, experiências e até desabafos, se assim o entenderem. O facto de sentirem que não estão sós nesta luta, ajuda.
- Tentar abstrair-se do objetivo engravidar na intimidade, desfrutar o momento a dois pelo simples prazer e o sentimento que vos une, tudo o que vier a mais, será a “cereja no topo do bolo”. É importante manterem o envolvimento natural e integral, apesar de ser difícil controlar a mente.
- Passear muito, namorar muito, desfrutar ao máximo a companhia um do outro, a vida, e acreditar sempre que vão conseguir! ❤
- Outro fator que influencia o nosso bem estar psíquico são as reações da família, amigos e sociedade perante esta problemática.
É comum as cobranças pessoais, familiares e sociais acerca de quando ter filhos, logo após o casamento ou a união estável, ou até mesmo depois dos 30, 35 anos e isso parece natural.
[Um dos maiores temas tabu da sociedade, talvez maior do que o aborto, a gravidez não planeada e o não querer engravidar, é a dificuldade em engravidar. ]
Dita a regra social que um indivíduo para ser realizado precisa: estudar, trabalhar, casar e ter filhos. A Sociedade “criou” e impôs a fórmula da felicidade, e esta influencia a perceção de muitas pessoas sobre a vida e muitas acabam mesmo por acreditar que só são felizes, se de facto, seguirem essas diretrizes. Outros, e a maioria, sentem-se pressionados a segui-las para serem aceites na sociedade. Aqueles que optam por não as cumprir, uma minoria, ficam à mercê do julgo social, como por exemplo quem opta por não ter filhos, pode ser rotulado como frustrado ou egoísta. Os que tentam e não conseguem, podem ser rotulados da mesma forma, por desconhecimento da circunstância, ou como “coitados, “não conseguem ter filhos”. Há ainda quem banalize, e pior, ridicularize a situação, brincando com a mesma, entre outras. Por todos estes fatores, o casal que está envolvido num processo de tratamento de fertilidade sente vergonha e até receio de falar, e a tendência é omitir. Este mecanismo de defesa acaba por contribuir para que a sociedade continue a olhar para este problema com pouca seriedade, respeito e cuidado. O ideal seria que todos, família, amigos e a sociedade em geral, tratassem o tema com naturalidade e apoiassem, tornaria o processo menos doloroso.
No nosso caso em particular, quando nos abordavam o assunto, e repetidamente, a partir de uma determinada altura, começou a deixar-nos desconfortáveis, até porque o processo em si já era difícil o suficiente, e para não termos que entrar em detalhes, evitando os tais rótulos, tentávamos relativizar, o que não era fácil, torcendo para que não tocassem no assunto. As nossas respostas a uma dada altura também eram sempre as mesmas: “qualquer dia”, “estamos a trabalhar nisso”! “Na verdade, não fazemos milagres!” – era o que me apetecia responder aos que não se cansavam de perguntar. Também nunca mentimos acerca da nossa realidade, não andávamos a divulgar, mas se perguntassem, respondíamos com a verdade. Sentíamos algum constrangimento, mas ao mesmo tempo queríamos acreditar que ao contar a verdade, estaríamos a contribuir para que a sociedade caminhasse no sentido de olhar para esta realidade com mais naturalidade.
Aproveito para dar também um conselho às pessoas que não resistem em questionar os casais sobre terem filhos, pois nunca se sabe se estão perante um casal que está a passar por um processo de infertilidade, e portanto, tratar-se de um assunto sensível ao mesmo. Em vez de atitudes como as descritas em cima que não são um bom exemplo, havendo a curiosidade, basta colocar a questão quanto ao desejo de ter filhos (desejam ter filhos?), não é desagradável de ouvir e não soa a cobrança, nem causa pressão.
Existem muitos preconceitos na sociedade, mesmo em relação a quem recorre a ajuda clínica para tentar engravidar. A maior parte das reações das pessoas não facilitam este processo. Ao tomarem conhecimento de um casal que está envolvido nesse processo e com dificuldades em engravidar, há pessoas que olham para este como se tivesse um “defeito” e há uma maior tendência a acharem que esse “defeito” é da Mulher. Acredito que a maioria não faz por mal, mas sim por falta de informação, mas deve haver algum bom senso e evitarmos certas questões e reações, pelo menos, de forma repetida, porque como é lógico, a partir de uma certa idade, se a Mulher ainda não engravidou, ou foi uma decisão da/do Mulher/casal, ou é uma condição involuntária. Ambas as situações, devem e merecem ser respeitadas! Podem ser vários os motivos que levam o casal a adiar ter filhos. Muitas vezes as circunstâncias da vida não permitem ser quando gostariam, motivos de saúde ou não, ou simplesmente não é um projeto a curto prazo. Ainda há os casos em que ter filhos não faz parte dos seus projetos pessoais. A mentalidade da sociedade deve mudar neste e outros aspetos. Não se impõem regras da felicidade, os critérios de felicidade variam de pessoa para pessoa, assim como não se impõe a maternidade/paternidade! No caso das Mulheres, há as que se realizam sendo Mães e há as que simplesmente não desejam viver a maternidade. Há outras variantes também, mas que abordarei em artigo mais específico.
A cobrança nas Mulheres que não desejam ser Mães, infelizmente é grande, pois a nossa sociedade tem dificuldade em aceitar que a Mulher possa não pretender dedicar-se incondicionalmente a outra pessoa e optar pela independência.
Não é verdade que a Mulher só encontrará a felicidade e a plenitude na maternidade, esse pensamento só serve para gerar culpa nas Mulheres que não se sentem assim ao se tornarem Mães. A felicidade não vem de fora, vem de dentro e não está nos outros, está em nós. Os outros podem acrescentar-nos felicidade, mas acima de tudo, é um sentimento que tem que vir de dentro, do nosso coração!
O mais importante é que a Mulher tenha condições de escolher quando e se quer filhos. E ela só poderá fazer essa opção se pensar em si, na vida que deseja levar. A sociedade tem que acabar com a ideia de que a Mulher é apenas um veículo que serve para trazer vida ao planeta e cuidar dos outros de modo incondicional, e tem que respeitar as suas escolhas.
Eu não pertenço ao grupo de Mulheres que diz ter nascido para ser Mãe, nasci Mulher e para desempenhar vários papéis ao longo da minha vida, filha, irmã, neta, amiga, namorada, esposa, mãe, profissional, entre outros, mas sempre fui apaixonada por crianças, e a dada altura senti o desejo de ser Mãe.
Hoje sou Mãe, e apesar de não ser fácil a experiência da maternidade que vivencio, tenho a certeza que me tornou uma pessoa mais completa, realizada e feliz! ❤ ❤
