PÓS PARTO NA MATERNIDADE (PARTE II)

Após as transfusões de sangue, e durante umas largas horas, eu ainda estive sob o efeito da anestesia. O meu estado, nessa fase, era de sonolência extrema. No entanto, por vezes apercebia-me de uns murmúrios no quarto. Lembro-me de ouvir, e das poucas vezes que abri os olhos, ver, os movimentos das enfermeiras e auxiliares. Tenho ainda uma vaga ideia de algumas situações que aconteceram nesse período, mas devido à minha condição, o que tenho mais presente na minha memória foi o Roberto (meu marido) que contou.

Lembro-me de ver, meio desfocado, uma enfermeira e o Roberto junto dos meus bebés. Hoje sei que a enfermeira lhe estava a dar instruções sobre os cuidados básicos como a higiene, a muda das fraldas, alimentação através do biberão, entre outras. Esta e outras enfermeiras, deram-lhe as explicações necessárias e sugeriram que as colocasse em prática. No primeiro dia, começou por mudar-lhes as fraldas com a respetiva higiene, deu-lhes leite com o biberão, colocou-os a arrotar e depois a dormir, e deu-lhes colinho sempre que necessário. No segundo dia, além de repetir as mesmas práticas, também lhes deu o primeiro banho.
Desde o primeiro dia, o Roberto revelou-se ser um pai dedicado, desenvolto e extremoso. ❤ ❤

Recuando ao primeiro dia, apesar das várias tentativas por parte das enfermeiras em colocar os meus filhos no meu peito para o estimular, e se alimentarem, como mantive uma postura pouco reativa durante um tempo considerável, acabaram por desistir. Os meus filhos acabaram por beber essencialmente leite em pó nas 24 horas que sucederam ao parto.

Não consegui mexer-me durante umas horas após a cirurgia. Além do excesso de sono, era como se estivesse paralisada. Na verdade, ainda tinha pouca ou nenhuma sensibilidade no corpo. Passadas as horas mais críticas do efeito anestésico, estes sintomas começaram a aliviar e, lentamente, comecei a retomar a sensibilidade e mobilidade dos membros, mas em contrapartida, vieram as dores. Nesta fase, tive a presença regular de enfermeiras para avaliação dos meus sinais vitais, das mamas e dos mamilos, e adaptação do bebé à mama, vigilância do penso operatório e palpação do útero.

Quando comecei a despertar e a fazer pequenos movimentos, senti muitas dores e um grande peso na zona abdominal, como se me tivessem posto pedras dentro.
As enfermeiras incentivaram-me a ir à casa de banho porque era importante que fizesse as primeiras necessidades a curto prazo, mas não tinha vontade, para além de me faltar coragem para levantar com as dores que sentia ao fazer pequenos movimentos. Depois de alguma persistência por parte das enfermeiras, uma delas foi-me buscar à cama, e auxiliando-me, levou-me à casa de banho. Levantar-me da cama e os primeiros passos, foram muito difíceis. Eu não conseguia erguer-me, fui completamente arqueada, de cabeça inclinada para baixo, pelo peso e dores que sentia na zona abdominal, e a sensação de repuxamento na zona do corte e dos agrafos cada vez que me movia. Um verdadeiro pesadelo!

Sentei-me com muito custo e com ajuda da enfermeira na sanita, mas não consegui fazer força sequer para urinar. Esta tentativa foi em vão. Para me levantar da sanita foi muito custoso também, e com passos muito vagarosos, na mesma posição em que fui para a casa de banho, voltei para a cama. Para deitar, outra dificuldade. A partir daí “rezava” para me deixarem estar quieta na cama (que ingenuidade a minha, e quem cuidava dos meus filhos?)!

Também me fizeram algumas vezes a palpação do útero, o que também era muito desconfortável e doloroso, mas imprescindível para assegurar que estavam reunidas as condições para uma boa recuperação no pós-parto. 

Nos dias seguintes e os que estive internada, as dores acompanharam-me sempre, apesar de as sentir com maior intensidade nos primeiros dois ou três dias. No entanto, rapidamente percebi que não podia ceder às dores e desconforto que sentia porque tinha dado à luz dois seres que precisavam muito de mim. Não era só um bebé, eram dois! Desde que engravidei, passei a ser 3 em 1 para todo o sempre! ❤ ❤

As condições ideais para uma eficaz recuperação pós-cesariana, e o recomendado, é fazer repouso absoluto nos primeiros cinco dias (riso), não fazer esforços, nem pegar em pesos nas primeiras semanas (riso) pelo desconforto e dor abdominal, e para uma melhor cicatrização do corte. “No geral, ao fim de dez – quinze dias, a mulher já se sente capaz de retomar o seu ritmo normal”, segundo artigos que li sobre o assunto. Faço de imediato uma correção a esta citação: a mulher que acaba de ser mãe, nunca mais voltará ao seu “ritmo normal”, e outro reparo quanto ao assunto, se com um bebé não é fácil cumprir os conselhos conhecidos para uma adequada recuperação, com dois é impossível! 

Quando comecei a ganhar mais sensibilidade nos membros e maior mobilidade, não só ainda estava muito condicionada pelas dores e desconforto da cirurgia, como pela fraqueza que ainda sentia inerente à anemia que estaria a tratar e pelo cansaço por não dormir há tanto tempo. Só tinha vontade de descansar e estar quieta, sem me mexer, para evitar que as dores aumentassem. Também tinha ganho alguma tosse uns dias antes da cesariana, pelas diferenças de temperatura que às vezes se sentia na maternidade, e por vezes apetecia-me tossir. Imaginam como era cada vez que tossia, certo? Dores claro, e sentia também a pele na zona do corte a repuxar de uma maneira que parecia que ia abrir. Felizmente a tosse não durou muito, ao contrário do que eu temia.

Comecei a ter maior noção da realidade e do que me esperaria, a partir do momento em que fiquei sozinha com os meus bebés na primeira noite pós-parto. O Roberto ficava comigo durante o dia, e à noite, a partir das 20 horas, tinha que ir embora. Às vezes passava um bocado da hora limite para me ajudar o máximo que podia, e as próprias enfermeiras eram um pouco flexíveis ao permitirem, por conhecerem as nossas dificuldades.

Quando me vi sozinha e os dois começaram a chorar, para além de não conhecer ainda o motivo do choro: necessidade de comer, fraldas sujas, cólicas … (?), recordo de me questionar, em pensamento, como conseguiria chegar até eles, uma vez que mal conseguia andar e não me conseguir erguer!? Os berços deles estavam encostados a um lado da minha cama, e eu para chegar até eles, tinha que sair pelo o outro lado e dar a volta (uns cinco metros que me pareceram cinco quilómetros).
Essa questão passou-se na minha cabeça numa fração de segundos porque sem hesitar muito, mas com muita dificuldade, apoiei-me na cama e arrastei-me até eles. Lembro-me de ter sido muito doloroso!

Com muito custo peguei num deles, o que me pareceu mais inconsolável, sentei-me na cama e comecei a embalá-lo. Depois fiz o mesmo ao outro. Não me cheirava a cocó. Como não paravam de chorar, tive que tocar à campainha para chamar a enfermeira pois precisava de ajuda e orientação. É importante realçar que naquele corredor ouviam-se muitos bebés a chorar, dois por mamã por ser uma ala de gémeos, logo, as enfermeiras não conseguiam perceber se os meus filhos estariam ou não a chorar, só tocando à campainha ou se passassem no quarto.

A enfermeira informou-me que o motivo do choro devia ser fome porque o intervalo entre as refeições era curto, uma vez que ainda bebiam poucas quantidades de leite, e também cólicas, acrescentando que eram muito frequentes nas primeiras horas após o nascimento e nos primeiros meses de vida. Ou seja, o choro por cólicas e fome iria ser frequente, e por consequência, a assistência da minha parte e o ter que me deslocar até eles também. E assim foi…

O curioso é que, por piores que sejam as condições físicas em que nos encontramos, ligamos o piloto automático de mães, pondo-nos em espera, e focamo-nos nos nossos filhos. Apesar das dores, o importante para mim era saciar-lhes no momento as suas necessidades. Experimentei pela segunda vez o instinto maternal, sem dúvida! A primeira foi ainda enquanto grávida. A partir daqui, não valia a pena contar as vezes que iria colocá-lo em prática! ❤ ❤

Entretanto, a enfermeira alertou-me da importância de oferecer o meu peito, sempre e antes do biberão, para começarem a conhecer esse modo de alimentação também. Independentemente de estarem ou não com dificuldade em iniciar a pega da mama, eles iriam e fizeram sempre uma alimentação mista (leite materno + leite em pó) por se tratar de dois bebés, pois seria uma exigência física muito grande para mim, e desaconselhado, colocá-los no meu peito em simultâneo, de forma regular, apesar de tê-lo feito algumas vezes para ganhar mais tempo. Também pela quantidade de leite a distribuir pelos dois seria difícil. No entanto, a minha preocupação naquela fase seria que eles conseguissem pegar no meu peito e bebessem do meu leite, para benefício deles e meu.

Ainda nessa noite, a enfermeira ensinou-me como eu devia proceder para que fizessem uma correta pega no mamilo, e como se preparava o leite em pó, para conseguir alimentá-los de ambas as formas. Aproveitou para me dar indicações sobre a muda da fralda e a higiene associada a esta, ressalvando o cuidado que eu teria que ter para não molhar ou deixar húmido o coto do cordão umbilical como prevenção de infeções. Aprendi também a fazer as massagens e movimentos de pernas aos bebés, que ajudariam a atenuar as dores de cólicas. Todas as informações eram bastante importantes e úteis, mas o pior e a não esquecer, é que se tratavam de dois bebés. Como iria eu saciar-lhes todas estas necessidades ao mesmo tempo e sozinha? Confesso que era um pouco assustador! Não receava por mim, receava por não conseguir dar-lhes resposta sempre que precisavam.

Embora as enfermeiras me tivessem dito para chamá-las sempre que fosse necessário, evitei fazê-lo algumas vezes apesar da vontade, porque durante a noite estavam apenas duas de plantão, e além da minha preocupação em não incomodar (outra ingenuidade minha), por vezes quando chamava, demoravam imenso tempo a chegar a mim. Mas quando tinha os bebés a chorar em simultâneo por tempo considerável e não conseguia consolá-los sozinha, tinha que chamar, mais ainda nas primeiras noites em que estava tão limitada fisicamente.

Na primeira noite essencialmente, em que eu precisava tanto de repouso e de dormir, pela minha condição física, passei toda a noite praticamente acordada, dormitava apenas quando os meus filhos dormiam em simultâneo, mas não era por muito tempo. Por norma, um acordava, e o outro acordava logo a seguir. Que noite, e que noites difíceis e de angústia que eu passei na maternidade! Alimentava um, e depois outro (mama e biberão), mudava a fralda a um e depois a outro, colo e massagens para atenuar as cólicas etc…tudo em dobro… o tempo que sobrava para eu descansar e conseguir recuperar um pouco era muito reduzido.
Os dias também não eram fáceis, mas tinha o Roberto para me apoiar. Quando estava perto da hora dele se ir embora, a minha ansiedade começava a aumentar.

Segundo a médica e enfermeiras, os bebés que nascem antes das quarenta semanas, apesar dos meus filhos terem nascido quase às trinta e oito, na sua maioria, têm dificuldade em fazer a pega da mama, pois não têm o estímulo de mamar, como se ainda estivessem no ventre da mãe. Por norma, mamar é instintivo para um bebé que nasce às quarenta semanas, mas mamar e estimular corretamente o seio é sempre uma aprendizagem, e esta pode levar mais tempo em alguns casos. Daí eu ter salientado no artigo anterior, a importância do primeiro contacto físico entre o bebé e a mãe após o nascimento, porque ajuda a ativar os seus instintos de sucção inatos. Com os meus isso não aconteceu aquando o nascimento, pelos motivos que vocês já conhecem, e tiveram que ser alimentados pelo biberão. Fator este que levou os meus filhos a oferecerem alguma resistência à mama, e a apresentarem uma grande dificuldade na pega da mama.

Apesar do cuidado que eu tinha em colocá-los primeiro na mama antes de lhes dar o biberão quando os alimentava, ou não faziam a pega corretamente ou não faziam uma sucção suficiente para se satisfazerem e aliviar a mama que estava cheia de leite. Por este motivo, ao segundo dia, o meu peito ficou empedrado. Mais umas dores horríveis a juntar às que já sentia. As enfermeiras tiveram que me pôr compressas de água morna nas mamas, a cada vinte minutos e antes de cada mamada, para ajudar a dilatar as glândulas mamárias que estavam inchadas e facilitar a retirada do leite que estava a ser produzido em excesso, não havendo saída. Também contribuíam para aliviar a dor durante a amamentação. Nos dias que estive na maternidade, como os meus bebés beberam pouco leite materno, este problema do peito manteve-se quase até ao fim da minha estadia. 

Chegou a um momento em que tinha dores no peito, dores do pós cirurgia, sentia-me fraca, e exausta pela falta de descanso. No entanto, não podia deixar de prestar auxílio aos meus dois filhos. Podemos não recordar exatamente as dores que passamos no processo pré, pós e parto, mas o grau de sofrimento, quer físico quer psicológico fica gravado nas nossas memórias, e não podendo descrever de outra forma, nem fugir à verdade, foram dias e noites de grande sofrimento e muita dificuldade!

Estive na maternidade cinco dias, e saí a caminhar ainda com dificuldade e dor, sem conseguir erguer-me completamente. Mantive esta condição física por muito tempo. Lembro-me que cada vez que o carro sofria trepidação pela condição da estrada, eu sustinha a respiração!

Espero que ninguém ouse dizer perto de mim, pelas razões óbvias, que a cesariana é um tipo de parto fácil, porque este tipo de parto é muito mais que o momento da cirurgia sem dor, é um processo difícil e doloroso! É difícil para quem pare um bebé, e muito difícil para quem pare dois.